terça-feira, fevereiro 01, 2005

Fat is Beautiful (Arnaldo Bloch, O Globo, 01.02.2005)

Ótima esta coluna do Arnaldo. Vale a leitura.

"Uma das mais interessantes repercussões do caso Garotas Tchecas de Ipanema é a constatação do horror absoluto que a maioria do povo carioca, principalmente o da Zona Sul, tem à obesidade feminina.

Primeiro, foi a indignação provocada pela publicação das fotos no “New York Times”. Aquelas terríveis imagens (fêmeas humanas obesas) nos jornais brasileiros e no site do NYT arranhavam o lustro do nosso grande símbolo, a Garota de Ipanema, expressão definitiva do corpitcho lindo da cidade. Para o carioca de Ipanema, a praia é um jardim suspenso apolíneo, onde a aparição de uma mulher obesa é espectral.

Agora que o vexaminoso erro do “New York Times” foi descoberto pelo fotógrafo Marco Antônio Cavalcanti, do GLOBO, uma nuvem de alívio parece refrescar a cidade junto com as chuvas da semana.

Todos sabemos que há gordas no Rio dourado de sol e sal. As que têm coragem de ir à praia procuram pontos menos expostos que os points de Ipanema.

Mas, no fundo, no fundo, é como se fosse ilusão, como se a essência do Rio fosse curvilínea e sem gordura, violão perfeito e moreno ressoando e fazendo as ondas quebrarem com mais graça.

Acontece que é lá no fundo que estão as gordas do Rio. No fundo dos corredores, em seus quartos, com medo de enfrentar a repulsa que causam nas patricinhas frígidas, nos machões anabolizados e broxas, nas lipoaspiradas disformes.

Vamos imaginar que todas as gordas cariocas resolvessem seus problemas com a alma da cidade (e com a própria alma) e fossem a Ipanema no domingo de sol, disputar atenção (e o já exíguo espaço) com as gostosas, as saradas e as bulímicas vomitadoras de chocolate? Daria um belo ensaio fotográfico.

“Mulher gorda” tornou-se, para muitos e muitas, sinônimo de feia, problemática, chata, sem interesse. Pensar nas gordas como um universo múltiplo e rico está sempre fora de moda, apesar de esforços das lojas especializadas. Mas, numa escala que começa nas falsas-magras, passa pelas cheinhas e gordinhas, e termina nas gordonas, há toda uma gama de formas, estilos e psiques.

As quase-gordinhas e as gordinhas são muitas vezes mulheres sensacionais, de sensualidade e fogo intensos, e com uma beleza à parte para os que apreciam mais pele que ossos. As gordonas, se menos palatáveis à maior parte dos gostos em vigor, têm seus afetos cativos quando sabem se transar.

E até aqui só falamos de estética e sensualidade. Mas podemos mencionar aquelas gordas que se transformam em divas, com seus vestidos longos e seus leques, suando charme nos salões, enquanto patricinhas idiotizadas não conseguem contar de um a dez.

Mas quem está querendo saber de conversa? Quem está à cata de ironia, charme, conteúdo? Experimente chamar uma loura burra de burra. Às vezes nem precisa: é comum, ultimamente, a antinha se antecipar e ir avisando:

— Olha, eu sou completamente loura burra, viu?

Agora, tente dizer que nas últimas semanas a sua burrinha ganhou um pneuzinho nas arestas cansadas. A porrada vai comer, seu zé.

Não se trata aqui de fazer apologia da obesidade, até porque para muita gente ela é um problema de saúde que interfere na qualidade e na quantidade de vida.

Ainda assim, mesmo quando obesidade é doença, quem está ali é gente, com personalidade, voz, humor, jeitão. E quando um gordo ou uma gorda chutam o balde, qualquer festa fica mais animada.

Vivam as gordas. Inclusive as gordotas de Ipanema, tão humilhadas e ofendidas ao longo da história. Ponham o biquíni ou o maiô, mulheres de peso. Saiam às ruas. Misturem-se às garotas do Posto Nove, e às outras, do morro, do Ceará, da Bahia, do Brasil e até da República Tcheca. "

Nenhum comentário: