quinta-feira, maio 12, 2005

Jabor sempre vale a pena

O inevitável Aconteceu!

(Arnaldo Jabor - O Globo 10/05/2005)

Fernando Sabino cismou que, um dia, ia acordar e ver uma manchete de jornal, em letras garrafais, clamando: “O inevitável Aconteceu!” E ainda imaginava que “Aconteceu” seria o nome de um homem nefasto, um ogre, um cíclope que destruiria o país todo. O Sr. Aconteceu arrasaria o Brasil. Enchentes? Aconteceu. Estupidez administrativa incomparável? Aconteceu. Incapacidade de articulação política? Aconteceu. Sinto informar que o Sr. Aconteceu está aí entre nós. Não. Não é o Lula; é uma entidade mais geral que percorre todos os homens do Poder atual. Porque vamos combinar, falando sério, a “coisa está ficando preta”, como proíbe a cartilha “Politicamente Correto” do governo. Corruptos de direita dançando minueto com “burros comunistas” estão aí, preparando a volta do “samba do crioulo doido”.

O FHC conseguiu subir o nível da estupidez nacional e eu achei que o Lula ia continuar mantendo esse upgrading . Mas, como diz a Cartilha, o problema é que o “cabeça chata” do Lula, atormentado pelas “baianadas” dos seus assessores e aliados, não está conseguindo unir seus homens porque eles, por serem “bugres” sem competência, desarticulam-se como “débeis mentais” num hospício.

O problema deste governo é psiquiátrico. Conheço bem a cabeça dos petistas clássicos, dos trotskistas arrependidos e, como reza a Cartilha, digo: “Está russo!” (com dois ss)

Fui do PCB, participei da fundação da Ação Popular, fui diretor da revista da UNE, um dos fundadores do CPC (Centro Popular de Cultura) e digo: não existe nada mais platônico que um materialista dialético. Conheci vários que estão aí no poder, ainda bonitinhos e fogosos. Foram (fui também) formados por uma empada de retalhos ideológicos mal lidos na Guerra Fria. Fazíamos diagnósticos políticos simplistas e não sabíamos realizá-los. Tínhamos só fins e nenhum meio. Havia uma incompetência absoluta para concluir qualquer projeto. Ninguém tinha saco para administrar nada. Celebrávamos derrotas: 35, 64, 68. E, a cada derrota, mais fé, mais orgulho de um martírio vão, que levou ao suicídio da luta armada. Mas, como disse Glauber, “o fato de o cara ser herói não o absolvia da burrice”. Todos tínhamos um desprezo calado pela democracia, um sólido horror à administração. Nada se resolvia, apesar dos inúteis GTs, os grupos de trabalho. Vejo com horror a continuação dessa incompetência. Parece que estou vendo os estudantes errando, discutindo ideologia. E a direita do Atraso “saca” isso e cai matando.

A ilustração perfeita dessa loucura juvenil é José Dirceu. Toda a crise desse governo começou com ele, no Caso Valdomiro. Ele pula de galho em galho como um comissário do povo volante, figura nuclear de um vago centralismo leninista, como se ele pudesse filtrar e catalisar tudo — mas ele não resolve nada. A Casa Civil é o túmulo dos projetos dos ministérios. Lá morre a transposição do Rio São Francisco, lá está paralítico o saneamento básico, a ferrovia Transnordestina, o Fundeb. Lá se criam os GTs, os inúteis grupos de trabalho como na UNE. Igualzinho.

Por um lado, o Executivo se desmoraliza por suas derrotas sucessivas aqui e no Exterior (com quatro chanceleres). Lá fora, sua política terceiro-mundista é ridicularizada no Mercosul e na OMC e, dentro, por ignorância, não encontra alternativa para que se possam baixar os juros, deixando tudo para o Palocci segurar sozinho. O Executivo se suja em casos graves como o de Romero Jucá (que deve estar feliz por estar murchando na mídia) ou com a próxima marcha do MST a Brasília, financiado pelo Governo de Goiás, e estamos tão anestesiados que vemos no jornal o Genoino abraçadinho com o Stédile e não ficamos espantados. É coisa de “mongolóides”, como diz a Cartilha.

Por outro lado, o Legislativo vira a vergonha nacional, com o outro “cabeça chata caipira” (Cartilha...) usando o Congresso como chave clientelista para seus sonhos de “bugre”, pois “Severino no volante, perigo constante.”

Assim, temos vexames nas duas pontas do Poder, com o Lula na corda bamba no meio, botando boné e fazendo metáforas. Até quando ele agüenta só no gogó e na publicidade? O PSDB já perdeu a compaixão diante do oportunismo eleitoral e partiu para o ataque na base do “quanto pior melhor”, reunindo-se até com Severino. O PMDB terá candidato próprio, claro, o Garotinho. Ou seja, está pintando uma conjunção astral assustadora, como um filme andando para trás, reconstruindo o panorama perverso do passado político. Reconstrói-se um neojanguismo para se contrapor a um crescente contra ataque do Atraso. São os dois pilares nefastos de sempre: populismo dos “burros” de esquerda versus “ladrões” espertos de direita — esquerda e direita acabam como “farinha do mesmo saco”. As “outras palavras” que FHC trouxe e que oxigenaram os velhos discursos políticos estão desaparecendo em rewind . E esta volta ao passado não é por acaso. A lama que andava debaixo do tapete está voltando por uma lógica estrutural de nossa formação política, uma vocação secular que teima em renascer, feito rabo de calango. O inevitável está acontecendo debaixo de nossos olhos impotentes, a máquina da sordidez nacional já ressuscita, como um monstro de ficção científica, um “Alien”.

O Inevitável Aconteceu: o Lula vai ser re-eleito, aposto e registro em cartório. O perigo é ele topar tudo pela reeleição, mesmo que tenha de adotar um “chavismo” estropiado, um neojanguismo provocador ou comícios “kirschnerianos” feitos de bravatas terceiro-mundistas. Esta hipótese nos levará para um brejo deslumbrante. Toda a gana dos populistas ou idiotas — não sei como chamá-los pela Cartilha, sei lá, “deficientes, malucos” é contra o Palocci. Eles sabem que ali está a única ilha de sensatez do governo. Se afundarem essa ilha, cai tudo.

Será que Lula venderá até o Palocci, por 30 dinheiros, para ser reeleito?

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